sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Epifania

Sossegada no comboio, numa deliciosa leitura.
- Posso? – Interrompeu-me: uma voz grave, dum homem alto e bem-parecido.
- Claro. O lugar está livre.
- Obrigado.
Retomei a leitura.
- O que está a ler?
Mostrei-lhe a capa. Com um sorriso:
- Um compatriota meu. Chamo-me Ivan Karamasov. – Estendendo-me a mão.
- Sofia.
- De que trata?
Observei-o, atentamente.
De que trata, efectivamente, este livro? – Pensei.
- Bom, ainda vou a meio; mas, o tema prende-se com a história duma família, nomeadamente dos três irmãos protagonistas. São abordadas temáticas como: a fé, o sentido da vida e a –pesada - carga, que o livre arbítrio impõe. No fundo, é sobre o ser humano e as questões que todos nos colocamos.
- Também se coloca essas questões?
- Claro. Acho que todos o fazemos.
- E a que conclusões chega?
Fiquei desarmada. O que penso – verdadeiramente – sobre o assunto?
- Sinceramente, não sei. – (Porque estava a ser tão verdadeira, com alguém que mal conhecia? Será mais fácil falarmos com um estranho, sobre o mais recôndito do nosso ser?) – Falando objectivamente: as religiões – nitidamente – são invenção humana. Creio que não existe nada; mas, o ser humano convence-se do contrário, para tornar mais suportável a sua existência.
O estrangeiro, num sorriso:
- As religiões são os diferentes veículos, que ajudam a chegar a um destino, que se chama fé. Alguns perdem-se na viagem; outros estão demasiado concentrados no veículo, para valorizarem a paisagem…
- Sinto que tenho fé. Tenho fé em algo, mas não sei bem o quê.
(Era incrível como (dum momento para o outro) falava como se o conhecesse a vida toda, como se ele fosse a minha própria consciência.)
- A fé é o caminho interior, que cada um tem de percorrer.
- Às vezes sinto-me perdida. Sinto que, não sei bem em que ponto estou, ou qual é o meu caminho.
- A fé é uma maneira de acreditar, sem questionar, sem duvidar. Cada um tem a sua. As pessoas têm tendência a direccioná-la para coisas sem importância. Deveriam ter, sobretudo, fé em si próprias.
- Nunca tinha pensado nisso, dessa maneira. Mas, é reconfortante acreditarmos que o destino não nos pertence, que não somos responsáveis pelas nossas misérias diárias.
- O livre arbítrio é, de facto, um fardo pesado. No entanto, representa também a libertação e a ascensão à felicidade plena.
- Talvez seja esse o caminho… - Respondi, inquietada. - Bom, adorava continuar, mas saio na próxima estação. Reparo que fomos os últimos a ficar na carruagem. – Observei, enquanto olhava em redor.
Quando me virei, ele tinha desaparecido.

3 comentários:

  1. Eu penso que as pessoas podem escolher qual o caminho a seguir, mas há sempre obstáculos que as fazem desviar daquilo que tentam alcançar. Aí podemos escolher um caminho que nos leva directos a problemas, tristezas ou outro em que continuamos um percurso tranquilo, que a meu ver é o que toda a gente procura. Era bom toda a gente ter fé, talvez nos tornasse mais optimistas nos momentos mais complicados, em que sentimos que não temos nada ao que nos agarrar.
    Tal como a Sofia, penso que por vezes é mais fácil falar com alguém que não conhecemos, alguém que escuta os nossos problemas e aconselha de forma imparcial.

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  2. Na minha opinião, o otimismo, vem com a fé em nós próprios. A fé em nós é o que nos diz que vamos conseguir superar as dificuldades, que vamos comandar o nosso destino, que vamos assumir o pleno controlo da nossa vida.
    Isto para conseguir alguns momentos de felicidade que é a recompensa que podemos almejar na vida.
    Vejo pessoas que foram traídas numa relação dizer que aquilo que viveram foi uma mentira. Não foi. Aquelas pessoas foram felizes. No momento em que sabem que foram traídas é que estão magoadas, tristes e infelizes e esquecem-se dos momentos felizes passados, desvalorizam-os face à dor presente, atual.
    Mas no fim, invariavelmente, toda a gente perceberá que a vida foi feita de tudo e só se arrependerão do que viveram no passado se não tiverem tido o controlo das decisões, que quando acontece, é sempre devido à omissão de nós próprios na nossa vida.

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