terça-feira, 30 de novembro de 2010

E se?

Na sequência dum interessante artigo publicado esta semana (sobre essa figura fascinante a quem possivelmente virei a dedicar várias linhas neste blog: Sá Carneiro) e o que teria acontecido se não tivesse acontecido o imprevisível, salienta-se que os imprevistos acompanham-nos e sucedem-se todos os dias a cada segundo da nossa vida.
A mudança é tão essencial como o ar que respiramos. Faz parte de nós e é nela e por ela que vamos evoluindo.
Ao início pode parecer assustador ir rumo ao desconhecido. É angustiante não saber o que nos espera num novo amanhecer. Mas a verdade é que no fundo não sabemos o que nos espera a cada novo dia. Apenas nos agarramos à ilusão do controlo que temos sobre a nossa vida. Controlo esse que não passa duma miragem.
Não há controlo, não há previsões. Tudo é incerto!
Não sabemos o que nos espera ao virar de cada esquina, mas refugiamo-nos nos caminhos tantas e tantas vezes percorridos por ser mais fácil ou mais seguro percorrer o que nos é familiar.
As dúvidas sucedem-se e as infinitas possibilidades açambarcam-nos a mente com os seus intermináveis “E se”? E se, e se, e se? Porquê que não podemos simplesmente aceitar as coisas como são com a sua total imprevisibilidade? Afinal, não é essa a melhor coisa da vida? Não é por isso que vale a pena estar vivo: por todas essas infinitas possibilidades?

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Epifania

Sossegada no comboio, numa deliciosa leitura.
- Posso? – Interrompeu-me: uma voz grave, dum homem alto e bem-parecido.
- Claro. O lugar está livre.
- Obrigado.
Retomei a leitura.
- O que está a ler?
Mostrei-lhe a capa. Com um sorriso:
- Um compatriota meu. Chamo-me Ivan Karamasov. – Estendendo-me a mão.
- Sofia.
- De que trata?
Observei-o, atentamente.
De que trata, efectivamente, este livro? – Pensei.
- Bom, ainda vou a meio; mas, o tema prende-se com a história duma família, nomeadamente dos três irmãos protagonistas. São abordadas temáticas como: a fé, o sentido da vida e a –pesada - carga, que o livre arbítrio impõe. No fundo, é sobre o ser humano e as questões que todos nos colocamos.
- Também se coloca essas questões?
- Claro. Acho que todos o fazemos.
- E a que conclusões chega?
Fiquei desarmada. O que penso – verdadeiramente – sobre o assunto?
- Sinceramente, não sei. – (Porque estava a ser tão verdadeira, com alguém que mal conhecia? Será mais fácil falarmos com um estranho, sobre o mais recôndito do nosso ser?) – Falando objectivamente: as religiões – nitidamente – são invenção humana. Creio que não existe nada; mas, o ser humano convence-se do contrário, para tornar mais suportável a sua existência.
O estrangeiro, num sorriso:
- As religiões são os diferentes veículos, que ajudam a chegar a um destino, que se chama fé. Alguns perdem-se na viagem; outros estão demasiado concentrados no veículo, para valorizarem a paisagem…
- Sinto que tenho fé. Tenho fé em algo, mas não sei bem o quê.
(Era incrível como (dum momento para o outro) falava como se o conhecesse a vida toda, como se ele fosse a minha própria consciência.)
- A fé é o caminho interior, que cada um tem de percorrer.
- Às vezes sinto-me perdida. Sinto que, não sei bem em que ponto estou, ou qual é o meu caminho.
- A fé é uma maneira de acreditar, sem questionar, sem duvidar. Cada um tem a sua. As pessoas têm tendência a direccioná-la para coisas sem importância. Deveriam ter, sobretudo, fé em si próprias.
- Nunca tinha pensado nisso, dessa maneira. Mas, é reconfortante acreditarmos que o destino não nos pertence, que não somos responsáveis pelas nossas misérias diárias.
- O livre arbítrio é, de facto, um fardo pesado. No entanto, representa também a libertação e a ascensão à felicidade plena.
- Talvez seja esse o caminho… - Respondi, inquietada. - Bom, adorava continuar, mas saio na próxima estação. Reparo que fomos os últimos a ficar na carruagem. – Observei, enquanto olhava em redor.
Quando me virei, ele tinha desaparecido.

A minha última esperança

Estou a esticar. Mais um bocadinho. E eu vou: cada vez mais.
Assim: não vai dar. Estou a atingir um limite. Um limite de paciência. Um limite de sofrimento. Um limite de esforço. Um limite de tudo o que é suportável ou tolerável, seja por quem for.
Já me deixei ficar de tanga. Já apertei o cinto. Já tolerei gastos desnecessários. Já tolerei subidas castradoras até descidas vertiginosas (na qualidade de vida). Já suportei as mais insultuosas verdades - sem reagir. Tudo consegui aguentar: firme, hirta, intocável. Cumpri o meu papel, com distinção - sempre. Um orgulho que, sem mim, não se conseguiria erguer.
No pior cenário, eu continuei a segurá-la no seu pedestal: lá no alto, sujeita aos mais tempestuosos ventos e ao esfomeado Sol (que devora as suas cores). Sobre a terra e sobre o mar: estive lá. Por entre armas e canhões me mantive: marchei - sempre - pela pátria. Mas mais um bocadinho e rebento! Mais um bocadinho e não consigo levantar o esplendor de Portugal.
Como cheguei até tão longe? – Perguntam-me.
Não sei. – Respondo. – Fui forte. Fui corajosa. Encontrei forças nos momentos mais angustiantes e consegui erguê-la - sempre. Todos os dias, encontrei forças, no mais recôndito do meu ser. Encontrei forças, onde achei que só encontraria angústias e lamúrias.
Quando achei que não teria de lutar mais, novos monstros de mim se apoderaram. Os “mostrengos” deste mundo já não vivem no fim do mar. O nobre povo (que mares conquistou) vê-se engolido por intermináveis trevas.
“Ninguém nos pisará, se não dobrarmos as costas.” – Disse Luther King. Por isso, eu digo: erguei-vos! Eu grito: lutai! Eu imploro: façam-se ouvir!
Mas as minhas palavras são: em vão. Tudo tolera; tudo estica - um pouco mais. Mas o limite está cada vez mais próximo. O limite que nos libertará aproxima-se, como a força da luz a invadir a madrugada. No dia em que a luz irromper, erguer-se-ão os inconformados trovões e os cansados relâmpagos - numa chuva de palavras e gestos e gritos - que trarão um novo rumo a esta velha nau - que desertou.
Sinto que o limite está perto, mas o momento não chega. O momento: tarda. Tarda demais!
Sinto-me sem forças. Não consigo esticar mais. Um pouco mais e rebento, atirando ao chão o orgulho nacional.
Mas num nebuloso dia (deste Outono – espero) há-de vir (finalmente) D. Sebastião para me salvar.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

The Doors

O mito de uma geração!
Não! Não estou aqui hoje para falar desse excelente filme (realizado por Oliver Stone e interpretado de forma sublime por Val Kilmer), mas roubei a primeira frase ao título português da película.
Estou aqui para falar desse grande grupo, desse grande mito que foram (e são) The Doors.
Não é segredo nenhum qual o meu grupo de eleição! Amo os Pearl e eles terão sempre um lugar muito especial chez moi.
Mas The Doors: são algo único. Foram inovadores na música, criando temas tão polémicos há quarenta anos, como hoje. Criaram poemas sonoros, que nos invadem de forma perturbadora. A música deles tem um efeito muito especial na mente dos receptores. Pode provocar os mais variados estados de espírito.
Nota-se uma clara evolução dos álbuns. L.A. Woman é dos melhores registos musicais que já ouvi. Mas qualquer um deles é incrivelmente rico. Qualquer uma das músicas nos transporta numa estranha viagem.
Poderia falar-vos da Soul Kitchen, da I Looked At You, da Love Her Madly, da L.A. Woman, da Wishful Sinful, da Crystal Ship, da Ship Of Fools, da Who Do You Love, de tantas e tantas outras. Mas para quê falar? Mais vale escutar deleitadamente.
Poucos conseguem a imortalidade através do som. The Doors são um exemplo - desses raros - que atravessaram as portas da percepção:
“If the doors of perception were cleansed, everything would appear to man as it is: infinite.” William Blake

Nota: Um especial obrigada a quem me pôs novamente a ouvir todas estas dádivas.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Nada desta vida

"Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,

Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,

Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.

Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?

Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?

Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra

Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.

Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.

Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio."

Ricardo Reis - Fernando Pessoa (1888 - 1935)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Um Brinde aos Novos Começos

O tempo deve deslocar-se num comboio especial que tanto passa muito lentamente, como anda à velocidade da luz.
Às vezes um momento parece uma eternidade. Outras vezes vários momentos, longos anos, parecem breves instantes.
A passagem do tempo é assim: rápida e lenta, vagarosa e veloz.
É nos momentos de mudança que tendemos a olhar para trás e a admirar todo o percurso que percorremos. É nos momentos de mudança que reflectimos sobre a pessoa que éramos e a pessoa que somos agora.
É nos momentos de mudança que nos apercebemos que tudo o que ficou para trás marcou-nos de maneiras que nem entendemos e tornou-nos aquilo que somos hoje.
É nos momentos de mudança que temos a certeza que o tempo voa, mesmo quando parece andar a passo de caracol.
Ele existe. Mas é tão rápido que a maior parte das vezes nem damos pela sua passagem, ora porque estamos demasiado concentrados na sua aparente lentidão ou porque estamos, de facto, entretidos a viver.
Cada novo começo traz consigo um breve olhar sobre o que ficou lá atrás e nos catapultou em direcção a esse momento de mudança.

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.”

Luís de Camões (1524 – 1580)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

127 Hours

Um dia destes, um grande amigo, contou-me uma história inspiradora:
127 é o número de horas que Aron Ralston esteve preso numa montanha, após a queda duma pedra sobre o seu braço direito, enquanto praticava escalada.
Há, para mim, uma certa similaridade entre esta história e a de Christopher McCandless. Ambos são (de certa forma) heróis solitários.
Ralston é orador motivacional e alpinista licenciado em Engenharia Mecânica, com paixão por desporto e aventura. Tem por hábito embarcar em arriscadas viagens radicais pela natureza.
Em 2003, enquanto escalava Blue John Canyon (estado de Utah nos Estados Unidos) uma pedra soltou-se, atingindo o seu braço direito, prendendo-o contra o Canyon.
Como era habitual, Ralston partia sozinho à aventura, sem avisar ninguém do local onde se encontrava e das suas intenções, por isso sabia que ninguém iria socorrê-lo.
Preso nesta situação, assumiu que iria morrer e passou os cinco dias seguintes a poupar ao máximo a pequena quantidade de água que tinha consigo, enquanto tentava soltar o braço.
Quando a água terminou, começou a beber a sua própria urina e gravou o seu nome na rocha, data de nascimento e data de morte (presumível). Depois, gravou as suas despedidas para a família com a câmara de vídeo.
Ao fim de tanto tempo ali preso, Ralston partiu o que restava do braço, de modo a conseguir amputá-lo com a sua ferramenta multi-usos (uma espécie de canivete suíço). Depois de – finalmente – se conseguir libertar, ainda estava a cerca de 12kms da sua carrinha e não tinha telemóvel.
Teve de sair do Canyon sob a luz forte do pico do dia. Encontrou uma família que lhe deu água e duas Oreo. A família alertou as autoridades, sendo que foi apanhado por um helicóptero de patrulha.
Os restos do braço foram retirados de debaixo da pedra e cremados. Ralston espalhou as cinzas pelo local.
A viagem que o filme 127 Hours retrata, aborda todo esse dramático momento, interpretado por James Franco e chegará ainda este ano, às salas de cinema mundiais.
O mais inspirador desta história é que Ralston nunca desistiu de lutar. Para além do episódio que quase lhe tirou a vida, as explorações continuam. Inclusivamente, aplicou um braço metálico de modo a poder continuar a fazer aquilo que mais adora. E, acima de tudo, brinca com toda a situação – rir: provavelmente a mais importante capacidade do mundo.
É um filme promissor.

domingo, 7 de novembro de 2010

The People vs Larry Flynt

Na sequência dum triste episódio, ocorrido na passada semana, na cidade do Porto, venho por este meio falar-vos dum filme marcante: The People vs Larry Flynt.
Larry Flynt (como o próprio nome indica para os conhecedores do género) trata-se dum filme sobre a vida dum homem que revolucionou o meio pornográfico, ao criar uma das publicações mais controversas de sempre, a mítica revista Hustler. Para além disso, contribuiu para o género, com diversas publicações e vídeos produzidos.
Este filme retrata uma das muitas batalhas legais na qual Flynt se viu envolvido, devido ao conteúdo das suas produções.
Há duas cenas desta película que me ficaram na memória de forma marcante:
- A sequência em que Flynt (interpretado por Woody Harrelson) refere, numa palestra, o que é mais intolerável, o que é mais nojento: a guerra ou o sexo? Ao longo do seu discurso, vai exibindo alternadamente imagens duma violência arrasadora e imagens de sexo explícito. Alternando imagens de fome, desolação, mutilação e morte com imagens de desejo, prazer e fornicação, como lhes chama.
- A sequência em que o advogado de defesa (interpretado por Edward Norton), nas alegações finais, refere que o que está em discussão não é se se gosta ou não do teor das publicações, mas sim da liberdade, da inegável liberdade, que todos (como cidadãos) temos de ter de entrar numa loja e escolher não comprar aquelas publicações. Essa é uma liberdade inegável. Tal como é inegável o direito à liberdade de quem a quer produzir. Uma sociedade livre tem de ser tolerante para com todos:



Um filme apaixonante sobre um lutador, que não desiste do seu direito a ser livre. Não desiste de lutar, mesmo depois de ter sido brutalmente baleado e ficar parcialmente paralisado, com insuportáveis e constantes dores na coluna.
Livre de publicar o que quer. Livre de vender o que quer. Livre de trabalhar na indústria que mais lhe agrada. Livre das intolerâncias duma moral podre e estéril. Livre de ser aquilo em que acredita.



"Não fomos postos neste mundo para julgar seja quem for." Oscar Wilde

Pena que os mostrengos de hoje, já não vivam no fim do mundo

"O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:

«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»

E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!"

Fernando Pessoa (1888 - 1935)

Pensamento do Dia

O Ser Humano é constituído por pequenos momentos que o definiram: um único momento define toda uma personalidade.

Tout peut s'oubier?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Os Solitários deste mundo

Don Draper: o nome não podia ser mais marcante. É um nome que fica. Tal como o personagem. Don Draper é um solitário. Acho que é por essa razão que (ao fim de apenas oito episódios) gosto tanto dum personagem, que pouco ou nada tem de herói.
Os solitários deste mundo apaixonam-nos: temos o eterno James, o divertido Indy, o ganacioso Gordon, o mafioso Michael, o politicamente incorrecto Tony e este – aparentemente - carrancudo Don.
É no seu cepticismo, na sua descrença que o mundo se revê.
Uma personagem de carácter incerto e de falsa seriedade, interrompida frequentemente, pelo certeiro (e algo cínico) sentido de humor acutilante.
Don tem fantasmas - como todos nós. Don tem segredos. Don não sabe quem é, mas tenta descobri-lo (um pouco mais) na interacção com os que o rodeiam. E, afinal, o que é a vida senão isso? O que é a vida senão descobrirmo-nos, constantemente, no contacto com os outros? Socializar: veículo único de chegarmos ao fundo de nós próprios e, em antítese, expoente máximo de solidão. É no olhar dos outros que nos revemos ou nos ausentamos. É no reflexo desse olhar que vemos o conforto dum espelho ou a crueza duma parede. É algo de que, simultaneamente, se depende e se abomina. E é nesse curioso jogo que o solitário se revela, um pouco mais, a quem realmente importa: ele próprio.
Don Draper é um solitário!

terça-feira, 2 de novembro de 2010